16 de dezembro de 2009

Sufjan Stevens

Gosto tanto das canções que este rapaz escreve

E porque é Natal e eu este ano estou particularmente natalícia


12 de dezembro de 2009

A Palavra

7 de dezembro de 2009

Partida

Fim de semana das viagens de autocarro entre as minhas duas cidades minhas duas casas minhas duas mães. Talvez me sinta mais feliz que nunca quando viajo por ser assim desenraizada, assim de um meio qualquer, de um entre sítios vários, casas, mães, raízes de fora. Hoje decidi prolongar a estadia e sair mais tarde. Pude passar mais tempo com a família e a lareira e os confortos de não fazer nada e ter tudo à mão. É já noite quando parto. Sento-me no autocarro. Chove bastante lá fora. Encosto a cabeça para trás e escolho a música que vou ouvir. O autocarro arranca e eu carrego no play. Imediatamente as imagens e as sensações se me atropelam garganta acima. E sou eu cheia de cores e dores a ir de um lado para outro e com tanta coisa cá dentro e as coisas todas precisavam de um sítio para estar mas eu não tenho esse sítio porque dentro de mim também há sempre comboios a partir e aviões a descolar e o clima é instável por isso não é fácil eles regressarem porque há sempre cheias e nevões e tempestades de areia e vulcões e as coisas nunca regressam ao mesmo sítio porque a lava e as avalanches são assim mesmo e tudo muda de sítio, tudo muda de sítio, nunca nada nunca mais outra vez igual me deixa descansar e ganhar raízes. E ainda por cima agora vai ser Natal outra vez. Volta a ser outra vez obrigatório as pessoas sentirem coisas boas, estarem felizes, em paz e harmonia. Volto a estar sempre triste por saber que não sou feliz, por saber que não consigo ser como as outras pessoas nessas coisas simples e banais como gostar de conduzir e de bebés e de caracóis e do Natal e da passagem de ano e de estar feliz porque é festa e é tempo de alegria. E gostava de ter coragem para ser o que devia ser mas para isso é preciso cortar logo as primeiras raízes mal elas comecem a nascer e eu sempre tive medo disso, da dor de as cortar logo em rebento e de tentar ir ganhar outras para outro sítio qualquer ou de tentar viver sem elas para sempre como algumas pessoas vivem sem um rim ou sem uma perna. Ainda assim, dizem que essas pessoas às vezes têm dores nos órgãos e nos membros que perderam. Deve ser o cérebro delas que não os quer perder. O meu se calhar não quer perder as raízes e por isso doem-me mesmo aquelas que nem chego a ter e as que eu já não tenho porque tive de as cortar para me nascerem asas. Sobre as asas é que eu percebo ainda menos. As pessoas voam muito muito muito mas depois caem mais que os aviões e toda a gente sabe que neste tipo de desastres há sempre muitas perdas...

29 de novembro de 2009

26 de novembro de 2009

Fermento

Fiz uma pequena grande viagem de três dias ao redor de momentos em que me encontrei como nunca me lembro de me ter encontrado. Demoro agora mais tempo a perceber coisas que sinto. Sei que o poder de me abrir ao mundo é meu mas não me sinto já dona do meu destino por saber que me posso espalhar por aí como a chuva num pequeno Inverno viajante. Alguém me dá a mão e me guia os passos trémulos até ao cimo das nuvens. Se não fosse essa mão e essa voz, nunca teria coragem de procurar coisas tão belas e tão grandes e que coubessem assim numa mãozinha fechada de horas. Sei-lhe agora melhor o olhar triste, adivinho-lhe os espinhos na alma, as dúvidas, as horas difíceis. Dentro do meu peito, volto a agradecer-lhe. Desta vez com muito mais certezas acerca de muito mais coisas e, sobretudo, de mim. Com a cabeça encostada à janela de um avião, olho para baixo e vejo montanhas cobertas de neve, campos verdes, árvores, lagos, algumas nuvens. De repente, percebo que já não tenho medo de me ir embora. Que a viagem maior de todas vale a pena por haver montanhas cobertas de neve e campos e árvores e lagos. Nada disto pode estar aqui por acaso. Eu não posso estar aqui por acaso. As palavras que aprendo e que me guiam não posso tê-las ouvido por acaso. Aprendo que a verdadeira felicidade não está no que tiro dos outros mas de mim própria. Sinto-me a crescer por dentro como a massa do pão que a minha avó benzia em cruz antes de por a levedar.

19 de novembro de 2009

Wovenhand em Salzburgo!!!!!!!


Nem acredito que estou quase a ver este senhor ao vivo e a cores outra vez.

Erlend Oye

Nunca pensei que podia achar tanta piada a um tipo tão teen-ager tão cenoura e tão caixa de óculos.



17 de novembro de 2009

9 de novembro de 2009

Cântico Negro

Tudo à minha volta padece de males de amor, tudo se ressente de discussões, desilusões, separações, saudades, ausências... Reciclamos. Revivemos. Reinventamos paixões. Sempre à espera de encontrar uma coisa qualquer, a tal da metade cujo sonho nos venderam ou, na falta dela, alguém que seja o mais parecido possível (pode ser que ninguém note a diferença). E para aqui vamos fingindo que somos modernos e independentes, que podemos ter relações umas a seguir às outras e seguir em frente sem sofrer nenhum arranhão. Que podemos continuar todos a ser amigos e a beber copos à esquina como se os sentimentos fossem e viessem ao ritmo das estações do ano, repetidos, idênticos, sem deixar marcas para o ano seguinte. Ironicamente, até as estações do ano agora deitam abaixo os castelos, porque já não há nuvens, só calor e secura fora de época. As sementes não germinam debaixo da terra. Secam e perdem-se para sempre. E eu vou-me apaixonando por coisas, figuras, músicas, filmes, actores e actrizes, músicos e cantores, pessoas que invento, retalhos deste e daquele e de mim para me manter viva e não enlouquecer. Nas histórias que me contavam, as mulheres casavam virgens e era para toda a vida. O almoço e o jantar estavam na mesa a horas certas, a roupa cheirava sempre bem e suportavam-se coisas com um estoicismo quase genético, sem questionar o sentido daquilo tudo. Cresci assim, rodeada de coisas antigas, no meio de um caos sólido e austero contra o qual comecei a revoltar-me muito cedo. Tive sempre vontade de ser livre e independente, acima de qualquer outra coisa. E sou. Livre. Independente. É muito fácil saber-se o que não se quer, difícil é o resto.

21 de outubro de 2009

Outono a sério pelas ruas da cidade

Mais um regresso.

11 de outubro de 2009

E outras vizinhanças


Mudanças


8 de outubro de 2009

Lugar lugares

"Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso. E não devemos malquerer às mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom. E então a gente ama as mitologias delas. À parte isso o lugar era execrável. As pessoas chiavam como ratos, e pegavam nas coisas e largavam-nas, e pegavam umas nas outras e largavam-se. Diziam: boa tarde, boa noite. E agarravam-se, e iam para a cama umas com as outras, e acordavam. Às vezes acordavam no meio da noite e agarravam-se freneticamente. Tenho medo — diziam. E depois amavam-se depressa e lavavam-se, e diziam: boa noite, boa noite. Isto era uma parte da vida delas, e era uma das regiões (comovedoras) da sua humanidade, e o que é humano é terrível e possui uma espécie de palpitante e ambígua beleza. E então a gente ama isto, porque a gente é humana, e amar é que é bom, e compreender, claro, etc. E no tal lugar, de manhã, as pessoas acordavam. Bom dia, bom dia. E desatavam a correr. É o meu inferno, o meu paraíso, vai ser bom, vai ser horrível, está a crescer, faz-se homem. E a gente então comove-se, e apoia, e ama. Está mais gordo, mais magro. E o lugar começa a ser cada vez mais um lugar, com as casas de várias cores, as árvores, e as leis, e a política. Porque é preciso mudar o inferno, cheira mal, cortaram a água, as pessoas ganham pouco — e que fizeram da dignidade humana? As reivindicações são legítimas. Não queremos este inferno. Dêem-nos um pequeno paraíso humano. Bom dia, como está? Mal, obrigado. Pois eu ontem estive a falar com ela, e ela disse: sou uma mulher honesta. E eu então fui para o emprego e trabalhei, e agora tenho algum dinheiro, e vou alugar uma casa decente, e o nosso filho há-de ser alguém na vida. E então a gente ama, porque isto é a verdadeira vida, palpita bestialmente ali, isto é que é a realidade, e todos juntos, e abaixo a exploração do homem pelo homem. E era intolerável. Ouvimos dizer que, numa delas, o pequeno inferno começou a aumentar por dentro, e ela pôs-se silenciosa e passava os dias a olhar para as flores, até que elas secavam, e ficava somente a jarra com os caules secos e a água podre. Mas o silêncio tornava-se tão impenetrável que os gritos dos outros, e a solícita ternura, e a piedade em pânico — batiam ali e resvalavam. E então a beleza florescia naquele rosto, uma beleza fria e quieta, e o rosto tinha uma luz especial que vinha de dentro como a luz do deserto, e aquilo não era humano — diziam as pessoas. Temos medo. E o ruído delas caminhava para trás, e as casas amorteciam-se ao pé dos jardins, mas é preciso continuar a viver. E havia o progresso. Eu tenho aqui, meus senhores, uma revolução. Desejam examinar? Por este lado, se fazem favor. Aí à direita. Muito bem. Não é uma boa revolução? Bem, compreende... Claro, é uma belíssima revolução. E é barata? Uma revolução barata?! Não, senhores, esta é uma verdadeira revolução. Algumas vidas, alguns sacrifícios, alguns anos, algumas. Um bocado cara. Mas de boa qualidade, isso. E o rosto que se perdera, que possivelmente caíra do corpo e rolara debaixo das mesas, o rosto? Lembras-te? Como foi que ficou assim? Não sei: tinha uma luz. Sim, lembro-me: parecia uma flor que apodrecesse friamente. Era terrível. Boa noite. E ela trazia um vestido de seda branca, e nesse dia fazia dezoito anos, e estava queimada pelo sol, e era do signo da Balança, e tomou os comprimidos todos, e acabou-se. Não compreendo. E julgas tu que eu compreendo? Quem pode compreender? Ela era a própria força, aquela irradiante virtude da alegria, aquele fulgor radical..., compreendes? Sim, sim. Tinha um vestido de seda, e era nova, e então acabou-se. Para diante, para diante. Não se deve parar. Enforquem-nos, a esses malditos banqueiros. Este vai ter trinta e cinco andares, será o mais alto da cidade. Por pouco tempo, julgo eu. Como? Sim, vão construir um com trinta e seis, ali à frente. Remodelemos o ensino. Cantemos aquela canção que fala da flor da tília. Bebamos um pouco. E o outro, o outro, o que viu Deus quando ia para o emprego?! Isto, imaginem, às 8 h. e 45 m. de uma tranquila manhã de março. Uma partida. Uma partida de Deus? Boa piada. Não amará Deus essas maliciosas surpresas? Um pequeno Deus folgazão?! Ele ficou doido. Começou a gritar e a fugir. Que Deus vinha atrás dele. E depois? Bem, lá construíram o prédio com trinta e seis andares, e o outro ficou em segundo lugar. Isto é o trabalho do homem: pedra sobre pedra. É belo. Vamos amar isto? Vamos, é humano, é do homem. E as crianças cresceram todas, e andavam de um lado para outro, e iam fazendo pela vida — como elas próprias diziam. E então as condições sociais? Sim, melhoraram bastante. Mas uma delas começou a beber, e depois o coração estoirou, e ficou apenas para os outros uma memória incómoda. Parece que sim, que tinha demasiada imaginação, e levaram-na ao médico e ele disse: aguente-se, e ela não se aguentou. Era uma criança. Não, não, nessa altura já tinha crescido, bebia pelo menos um litro de brandy por dia. Nada mau, para uma antiga criança. A verdade é que era uma criança, e não se aguentou quando o médico disse: aguente-se. E as ruas são tão tristes. Precisam de mais luz. Mas nesta, por exemplo, já puseram mais luz, e mesmo assim é triste. É até mais triste que as outras. Estou tão triste. Vamos para férias, para o pequeno paraíso. Contaram-me que ele tinha uma alegria tão grande que não podia agarrar num copo: quebrava-o com a força dos dedos, com a grande força da sua alegria. Era uma criatura excepcional. Depois foi-se embora, e até já desconfiavam dele, e embarcou, e talvez não houvesse lugar na terra para ele. E onde está? Mas era uma alegria bárbara, uma vocação terrível. Partiu. E agora chove, e vamos para casa, e tomamos chá, e comemos aqueles bolos de que tu gostas tanto. E depois, e depois? Ele era belo e tremendo, com aquela sua alegria, e não tinha medo, e só a vibração interior da sua alegria fazia com que os copos se quebrassem entre os dedos. Foi-se embora."

Herberto Helder, Os Passos Em Volta

3 de outubro de 2009

HURT

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

Wouldn't we all, someday?

“I used to be a mailboy in the Justice Department in Washington”, he said. “I felt I was becoming transparent. I had the feeling that after I ate dinner, people could see the food in my stomach. That’s just one of the things that was happening to me. I began to fear that chunks of government buildings would dislodge and fall on the top of me. But I think the worst thing of all was when I was walking on a crowded street. You know how people jockey back and forth, the fast walkers trying to overtake the slow walkers. There’s always a lot of shoving and the fast walkers are always stepping on the slow ones and knocking their shoes off. I was a fast walker. I was always hurrying even when I was just going for an aimless stroll, and I used to get annoyed when slow walkers got in my way. One day I was trying to get around an old man who kept drifting toward the curb and blocking my path and suddenly I found myself shouting at him in my own head, shouting inwardly and silently: LOOK OUT! LOOK OUT! I never actually spoke the words. I just shouted them mentally. I began to do that all the time. LOOK OUT, I would say to people. MOVE! MOVE! And I could see the words in my head in big block letters like a cartoon. Then one day a woman slowed down suddenly and I almost crashed into her. I found myself shouting a new word in my head: DIE! If I had said it aloud she probably would have died. It was really a hideous inner scream and I could see the word in my head in red letters with a big exclamation point. I began to realize I was abnormal. I was a person who walked along the street mentally shouting DIE at innocent people. After several months of this I tried to make a conscious effort to stop shouting the word. But it was too late. It just popped into my head automatically. DIE! DIE! I’ll tell you the kind of person I was. I was the kind of person who’s always falling in love with the wives of his best friends.”
“Have you stopped shouting DIE?” Sullivan said.
“I stopped shouting it the day I quit my job and I haven’t shouted it since. I haven’t shouted anything since[…]”.

Don DeLillo, Americana

16 de setembro de 2009

10 de setembro de 2009

Adulteza

Lembro-me de gostar, desde muito criança, do cheiro a perfumes fortes misturado com tabaco. Sobretudo nas mulheres. Também adorava o cheiro dos cigarros acesos dentro do carro, do fumo a viajar até ao banco de trás onde eu o inalava com prazer. Acho que o prazer que tirava destes cheiros tinha a ver com as fantasias que construía em volta deles, com o que me transmitiam de luxúria, de algo proibido que as aparências e os comportamentos dos adultos tentavam disfarçar na minha presença, mas que chegava até mim e me fazia desejar ser assim quando crescesse, uma mulher a cheirar a YSL e a tabaco. Agora que cheiro assim, fico cheia de inveja das miúdas que cheiram a champô e óleo Johnson’s. Acho que têm um cheiro lavadinho, uma coisa pura e sem falhas. Pressuponho-lhes as pernas sem celulite, os seios firmes e orgulhosos, os cabelos fartos e brilhantes e sinto os meus trinta e um anos a pesar-me. Mas conforta-me a minha sabedoria, aquilo a que chamamos maturidade e que os ingleses chamam, se traduzirmos à letra, adulteza e que é uma palavra magnífica para designar o que mais valorizo hoje nas pessoas que me rodeiam. Maturidade soa a coisa que está no ponto mas que já não se aguenta por muito mais tempo. Adulteza é coisa sólida, firme, coisa construída a pulso para gerações futuras apreciarem. (Cada vez gosto mais da língua inglesa.)

6 de setembro de 2009

Regresso (lentamente)

As coisas todas que trago comigo são grandes e crescem, ganham peso, fazem uma sombra cada vez maior a cada dia que passa. E a minha pele continua a tornar-se cada vez mais fina, os órgãos já quase à vista, a alma despida, nuazinha em pêlo, os sentidos alerta, a fazer sentinela, a toparem cada folha a mexer-se como um guerrilheiro na selva, rodeado de ameaças gigantes e desconhecidas. À procura da justificação, da razão deste estar-se num sítio a sobreviver, a olhar por cima do ombro. À procura de saber o que vale a pena, de saber se ter medo vale a pena, sabendo que não se pode simplesmente largar tudo e mudar de lugar. É assim. Foi assim. Aprende-se a caminhar sob as sombras, a entrever a luz como uma bênção, a dar-lhe valor, cada dia de sol uma dádiva. Aprende-se a carregar os pesos que vão crescendo (ainda falta aprender o que fazer com eles). Está-se sempre a caminhar, mas sempre à procura e, suspeito, na direcção errada. Já ninguém se lembra do cheiro nem do sabor da terra. Quanto mais pensamos e mais aprendemos mais nos esquecemos do que é verdadeiramente importante.

2 de agosto de 2009

Consider The Birds

para a Joana e para a Tânia

A terra tem muitas cores. Esta que agora vejo é vermelha, pontilhada nas encostas pelo verde das copas das árvores. Erguendo os olhos, esmaga-me o azul profundo do céu. Ao longe, no horizonte, o mar ainda ondula, azul escuro, a acenar-me adeus, orlado do mesmo branco dos dois ou três flocos de nuvens que pairam sobre a terra. Os meus olhos podem ver tudo isto, o que só pode ser uma bênção. Como são abençoados os pássaros que rasgam o horizonte à minha frente, entre o mar e a terra, espalhando vida pelo ar. Embalam-me os acordes de uma guitarra inspirada por Deus. A Sua graça não podia deixar de me acompanhar agora. Gostava que pudesse acompanhar-me sempre, para eu não voltar a esquecer-me de que estar vivo é esse maior dos acasos e que esse instante irrepetível tem de ser lembrado, valorizado e agradecido, todos os instantes, de forma natural e pura, como vi ontem nos olhos de um pescador. É preciso ter-se a certeza. Sempre. A salvação está mesmo aqui e agora. Não se pode esperar nada do tempo que há-de vir, nem de quem virá com o tempo. Não se pode pedir demissão disto tudo: do céu, do vento, da terra, do mar, dos pássaros que espalham vida pelo ar.
É preciso querer voltar a ver uma seara dourada pelo Sol a ondular com o vento, um pomar de árvores verdes carregadas de frutos, o azul do céu e do mar, o vermelho da terra, um sorriso sincero, um gato a espreguiçar-se, a pureza de um olhar. É preciso querer voltar a cheirar a terra molhada, o pão quente, o mar, a urze, o café acabado de fazer. É preciso querer voltar a saborear um fruto, verde ou maduro, um copo de vinho, uns lábios. É preciso querer voltar a sentir a areia entre as mãos, uma almofada macia, a casca de uma árvore, um abraço apertado, o vento na cara. É preciso querer voltar a ouvir os pássaros, o mar, o vento, as vozes de quem amamos e de outros que venham, os acordes de todas as músicas que falam connosco. É preciso acreditar. É preciso acreditar.

“Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura?
E pelo que haveis de vestir, por que andais ansiosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam; contudo vos digo que nem mesmo Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles.
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?
Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? ou: Que havemos de beber? ou: Com que nos havemos de vestir?
(Pois a todas estas coisas os gentios procuram.) Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso.
Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”

Bíblia, Mateus 6:26

25 de julho de 2009

laud

"the morning comes
I've not yet closed my eyes
cold and bright as I need it
the sun does rise"















12 de julho de 2009

Sem comentários

Num pequeno zapping entre os meus quatro canais, tropecei num programa apresentado pelo Herman José, em que pelo que percebi, se avalia a parecença física e vocal dos concorrentes com determinados “artistas”. Não cheguei a ouvir ninguém cantar. Vi apenas uns pais orgulhosos por lhes dizerem o filho é igualzinho ao João Pedro Pais e mudei de canal...

15 de junho de 2009

Voar para longe

14 de junho de 2009

Relatividades

Vão ali a Alcoentre visitar os maridos e os filhos à prisão, como eu vou a Leiria visitar a minha família, à casa onde nasci. Entram em grupo no autocarro, animadas. Falam alto, riem. Devem fazê-lo todos os Sábados, mais ou menos a esta hora. Faz parte da normalidade das suas vidas. Não há drama nem pesar nos seus olhares, não há tristeza nas suas mãos, não há frustrações a pairar-lhes por cima da cabeça. Vivem assim porque não lhes foi dado viver de outra maneira. Ou porque não o procuraram. Aceitam a vida que têm, um dia atrás do outro. Concerteza que não farão grande coisa para mudar o mundo, mas eu, que talvez até pudesse mudar alguma coisa, também não o faço. E no entanto, quanta tristeza me não acompanha os gestos, quantos suspiros se me não sufocam na garganta.

10 de junho de 2009

É novo e é lindo e é GIGANTE!

Adoro fazer anos e dar-me prendas a mim própria!








1 de junho de 2009

Qualidade de vida

Ontem andei na rua a tirar fotografias e fui à Fnac e comprei CD’s e um livro e vim para casa e deitei-me no sofá e ouvi música, ouvi música, ouvi música. Só assim. Sem mais nada. Há já muito tempo que não fazia nada tão bom. Foi bom dar-me a estes luxos que não deviam ser luxos. Voltei à música de corpo e alma. Hoje, quando regressava a casa e ouvia música no metro, senti um medo terrível de ficar surda. Não pelas palavras dos outros, que essas posso lê-las se for preciso, mas pelo que a música me dá e me faz sentir, ser. Embora saiba que se tivesse de escolher entre música e livros iria ter alguma dificuldade, os sons levam-me de forma mais instantânea, mais inconsciente e, ainda assim, mais epidérmica para lugares também eles mais intensos. Com um simples shuffle no iPod, sei que posso estar triste ou eufórica, ter frio ou calor, estar com quem quiser, onde quiser. Posso estar no meio da cidade, de gabardina e botas, à espera de alguém que não chega, com a chuva a bater-me no rosto e a misturar-se com as minhas lágrimas e três minutos depois fechar os olhos, abrir os braços, deixar o corpo cair para trás, sorrir e ficar deitada num campo de erva alta e macia que só deixa entrever o azul do céu. E vejo coisas muito bonitas na rua (sejam elas tristes ou alegres, porque há beleza nas coisas tristes), nos carros, nas casas, nas árvores, nos rostos das pessoas. Às vezes torna-se difícil conter movimentos involuntários estimulados por alguns ritmos mais contagiantes e evitar aqueles olhares de soslaio que exclamam maluquinha. Não sabem o que perdem...

Amor Supremo (Obra Prima #2)

29 de maio de 2009

Passionless, Pointless

Gosto do novo álbum da P. J. Harvey com o John Parish. Hoje ouvia-o enquanto trabalhava e uma música chamou-me a atenção. Fui ver a letra como faço muitas vezes. Mesmo adorando a música, não resisto a debruçar-me sobre as palavras. E o que diz é sobre alguém que pode ser a própria ou não, mas é também sobre a minha vida e sobre mim e sobre algumas pessoas que eu conheço. Ainda por cima a música é bonita. É por esta e por outras que quando ouço estes senhores que adoro há muitos anos, sinto que me conhecem melhor do que algumas pessoas que vivem perto de mim.

Let's talk, let's talk
Let the dirt fall
Let heads roll
No kind hand is reaching out, for me tonight

I slept facing the wall,
I dreamt of buildings in pieces
You slept, facing the wall, and you wanted less than I wanted

Passionless, pointless
Where does the passion go
I'm asking, there's no kindness in your hands
No reaching out, for me, tonight

You slept, facing the wall
And you wanted less than I wanted
I slept, facing the wall
But when I met you, how did you enter
I don't remember
How did we ever

28 de maio de 2009

Loja do chinês

São de plástico, mas é para animar. Para dar um bocadinho de cor a isto.


23 de maio de 2009

Fénix

Num processo estranhamente tranquilo encontro parte de mim escondida há muito, afundada em anos de medo de viver. Estico a coluna aos poucos, deixo o corpo desenrolar-se sobre si próprio, lentamente, ergo a cabeça, olho o céu, inspiro profundamente e deixo a vida entrar assim nos meus pulmões, sem avidez. O meu lugar é aqui. Pensei que ia perder capacidades, aberturas na minha alma que me deixam ver e sentir para além do óbvio e me permitem ir longe nas minhas experiências de sentir. Pensei que ia tornar-me numa coisa mais morna e cinzenta, pensei que o interesse do mundo e dos outros por mim poderia depois, a longo prazo, desvanecer-se... Um erro, claro. O que acontece, lentamente, nunca me irá fazer deixar a minha identidade para trás como as cobras deixam a pele e isso tranquiliza-me e ajuda-me a olhar ainda mais para cima. Estar vivo é um milagre que não se pode querer perceber. Estico os braços para agarrar o que estiver ao meu alcance como sempre estiquei e deixarei sempre espaço a quem quiser esticá-los comigo e aprender o mundo.

19 de maio de 2009

Com a coisa do êxtase, não teci o devido agradecimento ao excelente fotógrafo do concerto, que acontece ser meu irmão. Graças às suas maravilhosas fotos, vou poder suspirar durante muito mais tempo!

18 de maio de 2009

Conversão

Para quem já tinha visto o senhor David Eugene Edwards em Santa Maria da Feira, a surpresa era relativa. E embora me garantissem a genialidade do homem, as palavras são o que são até a experiência me remexer a alma. Ontem à noite, em Leiria, a minha alma entrou no Teatro Miguel Franco a direito e saíu virada do avesso. Hoje ainda sinto o revérbero da grandiosa noite no meu peito e na minha cabeça. Pareceu-me quase impossível voltar à vida normal, sem ter tempo para digerir tudo com calma. Apeteceu-me largar o trabalho e ir para casa a correr ouvir Woven Hand bem alto, para não deixar a vibração abrandar-se-me nas veias.O homem acredita em Deus, evoca-o, trá-lo com ele nas cordas vocais, nos dedos, nas pernas, nos olhos e convoca-nos para um ritual inesquecível e irrecusável. E é quase impossível não se ficar crente, nem que seja por uns dias. Mas tudo o que eu possa dizer será sempre insuficiente para descrever a experiência. A coisa que me ocorreu mais vezes dizer nas últimas horas sobre este concerto e que resume o que sinto da forma mais simples é: obrigada senhor David Eugene Edwards. Muito, muito obrigada.
















26 de abril de 2009

Uma joaninha holandesa

Em jeito de dedicatória a duas Joaninhas muito importantes na minha vida.

25 de abril de 2009

25 de Abril

Ainda nos falta muita liberdade dentro da cabeça.

24 de abril de 2009

Queda de um mito (a cores)

A Alemanha é um país com dias de muito calor e as pessoas são simpáticas.














4 de abril de 2009

O Caçador











27 de março de 2009

Obsessivo-compulsividades

Toda a vida me lembro de fazer listas intermináveis das tarefas todas que acho que tenho de cumprir num determinado período de tempo. Lavar a loiça, estender a roupa, cortar as unhas, fazer depilação, ir ao supermercado, ir à lavandaria, levar o gato ao veterinário, fazer sopa, sacudir, aspirar, arrumar, regar as plantas, mandar três mails a três pessoas com três assuntos diferentes, fazer uma transferência bancária, carregar o telemóvel, pagar a luz, a água e o gás, entregar o filme de ontem no clube de vídeo, ir à farmácia, ao sapateiro, comprar cigarros, gravar um cd, levar o lixo e as garrafas para o vidrão e marcar a consulta no dentista. Chego ao cúmulo de estabelecer um tempo para cada tarefa. Não me lembro de alguma vez ter cumprido algum. Geralmente, quando faço listas de coisas para fazer, não faço nada.

18 de março de 2009

2 de março de 2009

Os livros dos outros

Sempre que ando de transportes públicos e vejo alguém a ler um livro faço os possíveis para tentar ver que livro está a pessoa a ler. Quase sempre são os livros da moda, os best sellers ou, à moda do Alexandre O’Neill, as bestas céleres. Há uns tempos era o Código da Vinci e outros derivados do Dan Brown, depois veio a febre do Equador do Sousa Tavares, agora são os romances pseudo históricos do José Rodrigues dos Santos e outros sucessos de prateleira. Nunca ninguém me surpreendeu com um William Faulkner ou uma Marguerite Yourcenar ou um Samuel Beckett ou um Herberto Helder ou um Philip Roth... Onde andarão as pessoas que lêem esses livros? Vão todas de carro para o trabalho? Ficam em casa a devorá-los sem conseguir parar para saír? Gostam tanto deles que não os metem na mala para não dobrar os cantos nem sujar a capa? Há sempre aquelas capinhas de papel de fotocópia improvisadas que algumas pessoas colocam para não sujar o livro ou para não mostrarem o que andam a ler. Esses ainda me aguçam mais a curiosidade! Estico o pescoço e semicerro os olhos no esforço míope de tentar ler as letrinhas do topo da página com o nome do livro ou do escritor. Às vezes as pessoas apercebem-se que estou a espreitar-lhes por cima dos ombros e mostram-se incomodadas. É chato, é verdade. Mas não resisto. E não me parece que seja motivo suficiente para matar o gato, por isso, vou espreitando.

24 de fevereiro de 2009

«Como é que a novidade chega ao mundo?
Como é que nasce? De que fusões, translações, conjunções é feita?
Como sobrevive, sendo extrema e perigosa como é? Que compromissos, que acordos, que traições a sua natureza secreta é obrigada a fazer para salvar a tripulação naufragada, o anjo exterminador, a guilhotina?
Será o nascimento sempre uma queda?
Têm asas os anjos? Sabem os homens voar?»

Salman Rushdie
Versículos Satânicos

10 de fevereiro de 2009

É possível sentir a luz do Sol em dias de chuva

Here comes the sun, here comes the sun, and I say its all right

Little darling, its been a long cold lonely winter little darling, it feels like years since its been here

here comes the sun, here comes the sun and I say its all right

Little darling, the smiles returning to the faces little darling, it seems like years since its been here

here comes the sun, here comes the sun and I say its all right

Sun, sun, sun, here it comes...

Little darling, I feel that ice is slowly melting little darling, it seems like years since its been clear

here comes the sun, here comes the sun, and I say its all right


Its all right

Nina Simone

28 de janeiro de 2009

Pequena homenagem a um grande homem

No meio das literaturas todas que consumo há anos, sempre a tentar preencher as lacunas dos clássicos e, ao mesmo tempo, manter a actualidade, tropecei, há cerca de um ano, no senhor John Updike. Li dois livros dele quase de seguida e ambos me marcaram, me mudaram, até, como só as coisas muito fortes conseguem. Passei a admirar muito o homem e a sua obra. Hoje olhei para a capa do Público e vi a sua fotografia com duas datas... Gostava de acreditar no céu e desejar que a alma dele fosse para lá.


















«A cidade estende-se desde filas de casas de bonecas ao lado do parque e através de um largo e esbatido ventre da cor de um vaso de flores vermelho, pontilhado de telhados escuros e carros cintilantes e termina com um tom rosado na bruma suspensa sobre o rio distante. Os reservatórios de gás cintilam por entre o fumo. Os arredores parecem cicatrizes. Mas a cidade é enorme no centro e ele abre a boca como se quisesse forçar os lábios da alma a receberem neles o gosto da verdade, como se a verdade fosse um segredo diluído numa proporção tão baixa que apenas a imensidade lhe pudesse dar um sabor perceptível. E é na sua boca que o ar seca.
O seu dia foi perturbado por Deus: Ruth troçou, Eccles pestanejou... Porque te ensinam tais coisas se ninguém acredita nelas? Daqui parece simples que, se existir um chão, tem de existir um tecto e o espaço verdadeiro em que vivemos é o espaço superior. Alguém está a morrer. Nesta grande extensão de tijolo, há alguém moribundo. Aquele pensamento chega-lhe sabe lá de onde: simples percentagens. Alguém nalguma casa daquelas ruas morre, se não for naquele minuto será no próximo, e Harry crê que o coração dessa rosa abatida e prostrada se encontra naquele peito subitamente petrificado. Procura o lugar com os olhos, esperando talvez ver a alma de um velho enegrecida por um cancro ascender através do azul como uma marioneta. Aguça os ouvidos para escutar o ruído da libertação quando a ilusão avermelhada aos seus pés abandonar esta realidade. O silêncio atordoa-o. Filas de carros que se movem lentamente sem fazer ruído; um ponto sai de uma porta. Que está ele aqui a fazer no meio do ar? Porque não está em casa? O terror invade-o.»

Corre, Coelho

John Updike

11 de janeiro de 2009

Sol de Inverno

Esta semana o frio chegou-se a Lisboa com unhas e dentes. Saí de casa um destes dias de manhã (atrasada como sempre), com os meus fones nas orelhas, pronta para enfrentar o dia. Estava sol e havia gelo nos passeios e pessoas a escorregar em poças de água quebradiças. Quando saí do autocarro e comecei a minha caminhada, começou a entrar-me esta música na cabeça. Embora o Tom Barman diga que o Verão chegou, o Inverno pareceu-me mais certo e mais belo a ouvi-lo cantar. E depois esta música é daquelas que me fazem estugar ainda mais o passo, cheia de vibrações boas a romper-me os músculos, metida num videoclip filmado de dentro para fora. Ainda por cima a música é banda sonora de um filme em que o mesmo senhor, o que me canta aos ouvidos, passa o tempo a filmar pessoas a andar de um lado para o outro na cidade. Entrei no filme e, para onde quer que o vento soprasse, senti-me terrivelmente feliz.


1 de janeiro de 2009

Aprender com os outros

Andei durante anos a festejar as passagens de ano porque sim, porque é suposto haver aquela coisa da festa, dos amigos, do champanhe, das batatas fritas de pacote, dos copos até às tantas, da música e das ressacas no primeiro de Janeiro. Durante todos estes anos cumpri com as tradições quase todas (não me façam comer passas!), acompanhei as contagens do relógio, saltei à meia noite, distribuí beijos e abraços, desejei e recebi votos e mais votos de bom ano novo, fiz muitos brindes e dancei e ri e chorei. Esta festa tem esta duplicidade de ser uma coisa em grande se olharmos para o nosso ano e de ser uma coisa banal e repetida se olharmos para a nossa vida. Mas esta festa só é uma coisa em grande por ser banal e repetida, por ter esse potencial de ser uma noite como outra qualquer. Talvez só tenha tomado consciência disto ontem. E foi preciso fazer uma tarde de limão merengada! Obrigada princesa.